As tarefas e seus componentes

Por Rodrigo Inacio Cenzi


Como já discutimos neste blog, os processos de treinamento dos esportes coletivos estão influenciados pelos processos dos esportes individuais.


Segundo o professor Francisco Seirul.lo Vargas os esportes individuais estão fundamentados na teoria conducionista, estímulo-resposta, enquanto os esportes coletivos possuem uma afinidade maior com as cognitivistas e estruturalistas. Na teoria estruturalista, o sistema psicomotor humano é entendido como uma estrutura aberta composta por um conjunto de subestruturas com suas propriedades e atributos que se relacionam com o meio externo para formar um todo único. 


Seirul.lo coloca as seguintes estruturas:
A estrutura condicional é a que contribui para a carga energética (fisiológica) do exercício. Aparece fundamentalmente na gestão temporal quando são definidos os números de repetições que se realizam no tempo, a separação que existem entre elas, a carga externa e interna de cada um dos tempos de participação.
A estrutura coordenativa se manifesta através dos elementos de técnica individual e sua adaptação às exigências da situação do jogo em que se encontra o jogador.
A estrutura cognitiva é a que permite a tomada de decisão uma vez analisadas as condições do meio externo e relacionadas com a intenção desejada pelo jogador.
A estrutura socioafetiva da ao jogador a possibilidade de propor, interpretar e avaliar qualquer situação de relação interpessoal observada ou vivida nas múltiplas performances compartilhadas com os componentes do seu grupo esportivo.
Fig.1 Integração das estruturas
Vale lembrar que as quatro estruturas são indissociáveis no transcorrer do jogo. Assim sendo o processo de treinamento se desenvolve de maneira integrada. Mas é importante destacar que dependendo do momento da temporada e do microciclo o papel de uma estrutura acentua-se sobre as outras. A este aspecto, Seirul.lo denomina de “Situações Preferenciais Simuladores”. 


As situações que configuram a sessão de treinamento se organizam e estruturam através das tarefas. A tarefa é uma situação simuladora do jogo, modificada e/ou adaptada para incidir sobre determinados aspectos dos nossos jogadores e equipes que desejamos melhorar (Solé 2006). Ainda segundo o autor a tarefa é composta por um conteúdo (um ou mais exercícios) e por algumas condições que acompanham sua realização. Por exemplo, o número de repetições, a intensidade, as pausas, as regras a respeitar em sua execução, etc. A semelhança destes componentes com o jogo determina o nível de especificidade da tarefa, em resumo, uma tarefa pode ser mais ou menos específica. 


Em função do predomínio do caráter das situações de uma tarefa elas podem ser:
Tarefas de caráter genérico
Estas tarefas são compostas por conteúdos genéricos. A natureza e a organização das cargas é totalmente diferente da manifestada na competição. Como exemplo, para um jogador de futebol realizar 3 séries de 12 repetições no supino reto. 
Tarefas de caráter geral
Estas tarefas são compostas por conteúdos gerais. A natureza e organização da carga são parecidas com a observada na competição, e a tomada de decisões é nula ou inespecífica. Como exemplo, para um jogador de futebol realizar um treinamento intervalado curto com 10 repetições de 20”, com 30 segundos de pausa.
Tarefas de caráter dirigido
Estão compostas por exercícios dirigidos. A natureza e organização da carga são semelhantes a da competição. Com elementos coordenativos específicos e tomada de decisão inespecífica. Como exemplo, um circuito realizando “ziguezague” entre cones, tiros curtos com mudanças de direção e etc.
Tarefas de caráter especial
Estão compostas por conteúdos especiais. A natureza e organização da carga são semelhantes a da competição. A tomada de decisões é específica. Como exemplo, um automatismo tático (inversão de jogo) sem oposição.
Tarefas de caráter competitivo
Como o próprio nome diz, são compostas por conteúdos competitivos. A natureza e a organização da carga simulam a competição. Como exemplo, os jogos em espaço reduzido, modificação do número de jogadores e etc.

Segundo Seirul.lo a agrupação das tarefas no tempo configuram as sessões de treinamento, da mesma maneira que uma sessão com predomínio de algum tipo de tarefa terá esse caráter, este tipo de pensamento também se aplica ao microciclo. Assim teremos sessões e microciclos de caráter genérico, geral dirigido, especial e competitivo.


Segundo o professor Julio Tous, mediante esta proposta por níveis de aproximação é possível trabalhar qualquer conteúdo do treinamento (resistência, força, velocidade). Este autor ainda classifica em sete os níveis de aproximação, mas no momento ficarei com estes cinco níveis do professor Francisco Seirul.lo Vargas. 

Fig.2 Níveis de especificidade
Para tentar facilitar a compreensão destes níveis, adaptei a pirâmide (UKA Exercise Classification Hierarchy) desenvolvida pelo Dr. Anatoly Bondarchuc e “United Kingdom Athletics”. Nesta adaptação utilizei os níveis de aproximação do prof. Seirul.lo. Pretendo seguir desenvolvendo a mesma, portanto todas as sugestões serão bem vindas.




Bibliografia:


Seirul.lo, F. Preparacion Fisica Aplicada a los Deportes Colectivos: balonmano. Cadernos técnico pedagóxicos do Inef Galicia.

Solé, J. Planificación del entrenamiento deportivo. Ed. Sicropatsport. Barcelona.

Tous, J. Apuntes del Màster Profesional en Alto Rendimiento en Deportes de Equipo. Área Condicional.

Paco Seirul.lo, Juan Solé y Julio Tous. Classes presenciais no Màster Profesional en Alto Rendimiento en Deportes de Equipo 2008/2010. Barcelona.

UKA Exercise Classification Hierarchy. Acessado em: 30/08/2011.

Planejando os objetivos gerais para o treinamento da resistência no futebol

Dando prosseguimento ao artigo postado: “Introdução ao trabalho da resistência nos esportes coletivos - Definição”, neste artigo planejaremos os objetivos. Devemos deixar claro que a resistência não tem sentido como um objetivo em si, e sim, que está em função das características do sistema de jogo preestabelecidas pelo técnico.
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A partir daqui podemos traçar os objetivos no treinamento da resistência. Segundo o professor Dr. Joan Solé Forto os objetivos gerais que devemos planejar para o treinamento da resistência são:
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1 – suportar o desgaste físico e psíquico durante uma ação do jogo, a partida e a temporada.
2 – acelerar o processo de recuperação entre as diminuições de ritmo, entre as micro e macro pausas do jogo e entre os treinamentos e as partidas.
3 – manter o nível ótimo de rendimento do jogador na execução do gesto técnico e na tomada de decisões.
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A figura abaixo esquematiza a idéia anterior.



A formulação dos objetivos é uma das fases mais importantes do processo de treinamento esportivo, e variam em função do âmbito de treinamento. Os objetivos gerais do treinamento da resistência no âmbito da saúde são diferentes do âmbito da educação e dos esportes individuais, assim sendo, nos esportes coletivos também teremos objetivos diferentes, pois estes se caracterizam por mudanças de intensidades em função do sistema de jogo e do comportamento dos adversários.

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Com o planejamento dos objetivos traçados, na próxima postagem daremos prosseguimento, classificando a resistência dentro do contexto dos esportes coletivos.

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Bibliografia de apoio
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Classes presenciais de treinamento da resistência nos esportes coletivos com o Prof.º Dr. Joan Solé no curso acadêmico 2008/2010 do Máster profissional de alto rendimento em esportes de equipe. Barcelona, Espanha.
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Material de apoio das classes de treinamento da resistência nos esportes coletivos com o Prof.º Dr. Joan Solé no curso acadêmico 2008/2010 do Máster profissional de alto rendimento em esportes de equipe. Barcelona, Espanha.

Introdução ao trabalho da resistência nos esportes coletivos - Definição

Para começarmos a falar sobre a resistência devemos primeiro definir corretamente o que é resistência para os esportes coletivos, pois treinamos esta capacidade mais ou menos como nos esportes individuais, à única diferença é que colocamos uma bola.
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As definições podem variar um pouco dependendo do autor mas tipicamente temos como sendo a resistência nos esportes individuais, "a capacidade de manter um determinado rendimento, resistir à fadiga, pelo mais largo período de tempo possível." Um nadador que melhora o consumo máximo de oxigênio certamente terá um melhor rendimento, mas nos esportes coletivos isto não ocorre, pois esse maior consumo de oxigênio não nos garante um ótimo rendimento.
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Dentre as várias definições esta abaixo é a que mais me agrada, aproximando-se muito à maneira de como acredito deva ser pensada a resistência no futebol e em outros esportes coletivos. Não existe uma única maneira de entender e atuar no esporte, ficando assim a critério de cada comissão técnica a busca por sua própria compreensão deste fenômeno. Apesar de não concordar com a maneira reducionista de como é trabalhada, não só a resistência, mas todas as capacidades e todas variantes que envolvem o esporte coletivo, precisamos enquadrar-nos à realidade do futebol brasileiro e a do clube que nos paga o salário no fim do mês. Segundo Seirul.lo é primordial que a comissão técnica busque a unificação do modelo a utilizar, sempre de acordo com o projeto esportivo do clube e não obrigar ao clube se adequar a modelos que deram certo com outros jogadores ou entorno.
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Mesmo assim fico com esta definição de resistência elaborada para os esportes coletivos. A capacidade para suportar as exigências físicas, técnicas e táticas estabelecidas por um determinado sistema de jogo durante uma partida e ao longo de toda uma competição. (Massafret e col 1999)
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Partindo desta definição agora falta buscar os objetivos ao treinar a resistência, classificá-la, os gastos energéticos do trabalho das atividades de resistência, os sistemas energéticos, métodos de treinamento e como controlar o volume e intensidade no trabalho da resistência. Ficando estas partes para postagens futuras.
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A batalha ainda é grande, muita coisa precisa ser repensada, mas acredito que o debate de idéias é um bom começo. Sempre lembrando que o profissional de preparação física ao propor uma nova metodologia nunca deve falar de igual para igual com um técnico, diretor técnico, diretor de futebol, coordenador técnico e etc., devendo sempre se basear em números, dados e constatações científicas, deixando a linguagem do boleiro para os boleiros, pois nós somos cientistas do esporte.
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Bibliografia
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Classes presenciais de Planificação nos desportos coletivos com o Profº Francisco Seirul.lo no curso acadêmico 2009/2010 do Master profissional de alto rendimento em desportos de equipe. Barcelona. Espanha.
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Classes presenciais de treinamento da resistência nos deportos coletivos com o Prof.º Dr. Joan Solé no curso acadêmico 2009/2010 do Master profissional de alto rendimento em desportos de equipe. Barcelona, Espanha

O Treinamento Excêntrico na Prevenção de Lesões dos Isquiotibiais e LCA

Uma deficiência na força muscular é colocada como um fator de risco para lesão nos isquiotibiais (Yamamoto, 1993; Worrell, 1994). Esta musculatura tem um papel importante na prevenção das lesões de LCA (ligamento cruzado anterior), visto que sua contração previne o deslizamento anterior da tíbia em relação ao fêmur.

O estudo de Askling et al. 2003, com jogadores de elite do futebol sueco, nos leva a crer que, a flexão de joelho em máquinas do tipo YO-YO¹ (figura) para trabalho excêntrico, realizados em pré-temporada, evita consideravelmente o número de lesões da musculatura isquiotibial.
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Os resultados mostram que a ocorrência de lesão nos isquiotibiais é baixa no grupo que realizou o treinamento complementar (3/15) em relação ao grupo controle (10/15). Os resultados mostram um incremento significativo na força muscular excêntrica e concêntrica da flexão do joelho, além de melhor a velocidade máxima de 30 metros dos jogadores.
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Outro estudo que vai de encontro com estes dados é o de Arnason et. Al 2007, no qual o treinamento excêntrico utilizando um exercício simples, o “nordic hamstring” (Vídeo), diminuiu o número de lesões em jogadores profissionais da Noruega e Islândia.
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O estudo de Mjølsne et al. 2004 com jogadores universitários de futebol da Noruega, compara o treinamento utilizando o “nordic hamstring” em relação à flexão de joelho em aparelhos convencionais de musculação, mostrando um incremento significativo na força excêntrica na flexão do joelho do grupo que utilizou o exercício “nordic hamstrig”.
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Como proposta de programa de prevenção de lesão de isquiotibiais e LCA, o incremento de um programa de treino neuromuscular utilizando o exercício “nordic hamstring”, pode ser empregado no próprio campo de treinamento sem a necessidade de equipamentos especiais. É importante iniciar com poucas repetições e séries e ir aumentando as mesmas de forma gradual, até chegar ao número de 2-4 séries de 8-12 repetições.
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¹Na tecnologia yo-yo a força exercida durante a ação concêntrica do músculo (movimento de empurre) aumenta a rotação da roda e armazena energia cinética na roda posta em movimento. Na transição do movimento concêntrico para o excêntrico a direção do movimento da roda se mantém, levando assim o cabo a se enrolar novamente na roda, obrigando a musculatura a trabalhar de forma excêntrica freando o movimento, diminuindo assim a velocidade de giro da roda e alongando o músculo. Para mais informações acesse: http://www.yoyotechnology.com/
Como opção para um treinamento em especificidade no futebol existe o versapulley “cone para trabalho excêntrico”. Para mais informações acesse: http://www.versaclimber.com/VP_sport.htm
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Bibliografia de apoio
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Arnason A, Andersen T E, Holme I, Engebretsen L, Bahr R. Prevention of hamstring strains in elite soccer: an intervention study. Scand J Med Sci Sports 18: 40–48, 2008.
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Askling, C,. J, Karlsson and A, Thorstensson. Hamstrings injury recurrence in elite soccer players after preseason strengh training with eccentric overload. Sacandinavian journal of medicine and science in Sport 13: 244-250, 2003.
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Mjølsnes R, Arnason A, Osthagen T, Raastad T, Bahr R. A 10-week randomized trial comparing eccentric vs. concentric hamstring strength training in well-trained soccer players. Scand J Med Sci Sports 14: 311–317, 2004.
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Classes presenciais de treinamento da força nos deportos coletivos com o Prof.º Dr. Julio Tous no curso acadêmico 2009/2010 do Master profissional de alto rendimento em deportos de equipe. Barcelona, Espanha.